sábado, 27 de julho de 2013

A Influência do Rock Nacional Na Cultura Política Brasileira.


O começo da década de 80 não foi nada propício para o rock. A MPB de FM dominava o circuito musical e, apesar da relativa abertura política, a sombra da repressão e a censura ainda desanimavam os que tentavam ser tematicamente ousados.Em 1983, o rock começou a conquistar espaço na imprensa, e as gravadoras começaram a contratar bandas e lançar seus discos.Com a realização do Rock In Rio, o Brasil entrou na rota das turnês das bandas internacionais e os roqueiros brasileiros tiveram noções de profissionalismo com relação à produção dos shows. Era o início de uma nova era, pois durante o festival ocorreu a eleição de Tancredo Neves, eleito como o primeiro presidente civil no Brasil desde o golpe militar de 1964.A discrepante distribuição de renda já perpetuada na história do país, mediante a este contexto, aumentou consideravelmente. Apenas para exemplificar os efeitos da crise, se pode apontar que na década de 80 as construções rudimentares em loteamentos ilegais como as favelas só foram apontadas através de números crescentes. Resultando dos problemas relacionados a moradia estruturada e somando-se a eles, o grande número de indigentes e de crianças de rua nesta década passaram a fazer parte da rotina das cidades. Este fato pode ser observado em algumas canções do rock brasileiro da época. Na ocasião das manifestações pelas Diretas, a música se fez presente de uma maneira muito significativa. Canções já típicas da MPB eram ecoadas por um grande número de pessoas.Mas, assim como os atores sociais haviam mudado, a trilha sonora que os movia tambémapresentava mudanças. No trecho de uma das canções usadas pelos manifestantes do período,pode-se notar isso:


A gente não sabemos escolher presidente,
a gente não sabemos tomar conta da gente,
A gente não sabemos nem escovar os dentes,
tem gringo pensando que nóis é indigente!
Inútil, a gente somos inútil!{...}







A canção chamada “Inútil” gravada primeiramente em 1983, em um compacto, Inútil só pode ser ouvida pelo público em 1985, no primeiro álbum da banda Ultraje a Rigor. Apesar de leve e engraçada, tinha um teor bastante crítico em relação ao Brasil da época e fez coro nas ruas para ajudar a pedir as “diretas já”. A escolha desta canção para este movimento foi feita antecipadamente por Ulisses Guimarães que já a havia  usado para ironizar as intenções de eleições indiretas do governo.
A letra da canção, escrita propositalmente com os usos coloquiais da língua
portuguesa, enfatizando que a fala do sujeito emerge da população comum e ao mesmo tempo chamando a atenção para esta questão, faz uma alusão direta a falta de participação política inferida à população pelos militares. Além disso, chama a atenção também para as  visões que se tinha e ainda se tem no exterior sobre o Brasil enquanto um país tradicionalmente “festeiro”, porém subdesenvolvido e quase inadimplente com relação à uma dívida externa que ajudava a travar o seu crescimento geral. As eleições de 1985 foram indiretas. “Disputadas” por Tancredo Neves, candidato indicado pela oposição liderada pelo PMDB e por Paulo Maluf, candidato da situação, a oposição se saiu vitoriosa. O seu candidato criou perante a população uma imagem de identificação com a campanha pelas diretas e, além disso, com amplo apoio dos meios de comunicação, passou a representar a figura do político “salvador da pátria” (RODRIGUES, 1990:) coisa que lhe rendeu a massiva simpatia da população pela sua candidatura.
A Frente Liberal, grupo político emergido da cisão do PDS na ocasião das eleições, acordou com o PMDB a criação de uma chapa chamada de “Aliança Democrática”, a qual tinha como nome para vice de Tancredo o ex-presidente do PDS, José Sarney. Tal acordo possibilitou a vitória do candidato da oposição, mesmo com o fato do PT (Partido dos Trabalhadores) ter se recusado a participar de uma eleição indireta neste ponto da transição.
A vitória de Tancredo não parecia apontar mudanças drásticas no país. Tanto ele quanto o seu vice já eram figuras conhecidas de nossa política e não assustavam os simpatizantes dos militares, muito pelo contrário. Apelidada pelo político do PMDB, Ulisses Guimarães, de “Nova República”, a fase iniciada pelo Brasil após a vitória de
Tancredo Neves, apesar dos pesares, representou o fim quase definitivo da Ditadura Militar no país, mas não trouxe quase nenhuma transformação de cunho econômico para a maioria da população.

O hino da Nova República...
Eu acredito na manutenção da ordem pública
Eu acredito na Nova República
Eu acredito... Há, há...
Eu acredito em toda essa cascata
Eu acredito no beijo do papa [...]

Se referindo a esta fase da história do país, o grupo Camisa de Vênus regravou uma de suas canções da qual foi retirado o trecho citado acima. Nesta versão da canção “O Adventista”, a letra cantada “ao vivo” sofreu modificações para se referir àquele momento política brasileira.
Com bastante ironia no tom de voz, Marcelo Nova anunciava que este
seria o “hino da Nova República”, em seguida, num ritmo muito mais rápido do que o da gravação original feita em 1983, a banda o acompanha enquanto ele
canta a nova letra repleta de alusões e críticas à chamada Nova República. No refrão original da canção que diz “Não vai haver amor nesse mundo nunca mais”, o público o ajuda a cantar proferindo um palavrão, o que pode ser visto como demonstração de rebeldia gratuita, mas também como a concordância e a revolta com o que cantava em tom bastante crítico e engraçado o cantor.
No final da canção, enquanto o público continua a repetir sem parar o novo refrão, Marcelo Nova começa a rezar o “Pai Nosso”, o que aumentava mais ainda o tom de crítica e protesto.
O presidente eleito indiretamente na “Nova República” não chegou a ocupar a cadeira presidencial, pois na véspera de sua posse fora internado no Hospital de
para se livrar de uma suposta apendicite. José Sarney, o vice, assumiu a presidência da República, mesmo sem receber a faixa presidencial do último militar no
poder que o acusava de ser o culpado pela quebra do partido da situação e a sua conseqüente derrota na eleição presidencial.
Enquanto isso, após diversas internações e operações nas quais não teve êxito, Tancredo Neves morreu no dia 21 de abril do mesmo ano acometido por complicações no tratamento de um tumor. Nesta ocasião, a comoção tomou conta dos brasileiros e o país praticamente parou para assistir a cerimônia fúnebre.
O vice José Sarney já havia assumido a presidência e com ela os inúmeros problemas do Brasil para os quais as soluções não pareciam fáceis. Era preciso responder com urgência aos anseios dos vários setores sociais depositados no governo de transição que acidentalmente assumira. Dentre estes estava a expectativa de uma nova Constituição que deveria substituir a de cunho ditatorial.
No entanto, a crescente inflação a essa altura já estava prevista para além dos 300% ao ano (PIRAGALLO, 2006), as taxas de crescimento do país eram ínfimas e o arrocho salarial e o desemprego colocavam os trabalhadores em alerta. Em 1986 a projeção da inflação anual ultrapassou a casa dos 500%. Esta situação não poderia continuar como estava ou o governo de transição entraria em colapso.
Neste contexto, em 28 de fevereiro de 1986, Sarney anunciou para a nação o “Plano Cruzado", o que agradou a população e garantiu popularidade ao novo presidente. A inflação caiu significativamente, o que era visto e sentido pelas pessoas.
Pelo plano, além do tabelamento e congelamento dos preços ao consumidor por um ano, o salário do trabalhador deveria aumentar sempre que a inflação medida atingisse os 20%, estratégia esta apelidada de “gatilho salarial”.

Mais uma vez, uma canção da banda Camisa de Vênus pode ajudar a ilustrar a situação aqui descrita e ao mesmo tempo ser apontada como representação da insatisfação e do protesto contra a situação:

Aqui não tem problema, só se você quiser
Esse é o país do futuro, tenha esperança e fé
Todo dia lhe oferecem sempre o melhor negócio
Vão levar a sua grana, vão lhe chamar de sócio
Vai ficar tudo bem, acredite em mim meu filho
A gente aumenta o seu salário, dispara o gatilho
Aí, pra que você não reclame e também para que não esqueça
Dispararam o tal do gatilho em cima da sua cabeça
Nós vamos outra vez pro fundo do buraco
Você não tem vergonha e eu já não tenho saco [...]

Os projetos de modernidade apresentados pelos governantes do país no decorrer das décadas antecedentes aos anos 80 apresentaram-se muitas vezes como entraves econômicos mediante aos valores monetários que exigiram quando se conseguia concluí-los efetivamente, caso da construção de Brasília, ou quando se limitaram a aspiradores de recursos financeiros sem conclusão satisfatória como a rodovia Transamazônica.Corroborando com esta discussão, a canção acima denota certo humor acompanhado de um sarcasmo considerável ao ser intitulada de “O país do futuro”. Aludindo assim a um Brasil que se pretendia moderno nos discursos políticos, mas que se apresentava com as graves seqüelas dos desmandos políticos, se afastando bastante das verborragias governamentais para as quais boa parcela da juventude que viveu aquela década já “não tinha saco”.
Confiado em seu prestígio mediante a aceitação popular ao plano, através da mídia, Sarney convocou o povo a ser fiscal dele nos supermercados para garantir a estratégia do congelamento. A aceitação do encargo foi imediata e as transgressões dos donos de supermercados também, mas não faltou quem as denunciasse. A euforia do Cruzado levou a população a consumir elevadamente confiada no congelamento de preços que derrubara as elevadas taxas inflacionárias e ao mesmo tempo desconfiada da durabilidade do plano.
A opção encontrada para sanar esta insegurança foi comprar grandes quantidades de tudo o que se podia estocar enquanto os preços estivessem congelados. Alimentos como a carne e o leite desapareceram do mercado e para consegui-los, quem podia, pagou um ágio “instituído” pelos modos de se lidar com a situação. A mesma coisa aconteceu com a gasolina, o gás de cozinha, etc. Assim, por estas e por outras.causas, o plano já anunciava a sua decadência sem haver chegado a transformar de fato a situação econômica do país.
Enquanto o Cruzado fez sucesso o governo também fez e, desta forma, segurou as rédeas do congelamento até as eleições do final do ano quando o PMDB, alimentado pelo prestígio de Sarney junto ao povo, ganhou o governo de todos os estados excetuando Sergipe, além da maioria na Câmara e no Senado (PIRAGALLO, 2006). Os parlamentares que decidiriam as linhas da nova Constituição já estavam definidos nas urnas.
Após as eleições o Cruzado que já apresentava inúmeros problemas para se manter, chegava ao fim e era substituído pelo “Cruzado II”, no qual a âncora nos preços não podia mais se manter. Acabada a política de congelamento a população sentia-se traída e usada pelo governo para ganhar as eleições, o que havia ficado claro. A popularidade de Sarney caiu vertiginosamente. Economicamente, voltava-se para o lugar de onde se havia partido.
A dívida externa continuava em livre ascensão, a inflação voltou e o salário mínimo se desvalorizava constantemente. A banda Titãs assim apontava isso:

Meu salário desvalorizou
Dívidas, juros, dividendos
Senhores, senhores, senhores agora é assim
Credores, credores, credores tenham pena de mim!

O Cruzado II representava a volta de tudo o que a nação havia rechaçado nas urnas, principalmente a da inflação. Em fevereiro de 1987, Sarney anunciou à nação a moratória que na verdade foi motivada não por uma reação aos altos juros da dívida externa como ele queria fazer crer, mas sim pela falta de dinheiro nos cofres públicos para pagá-los, já que a manutenção do congelamento dos preços durante o Cruzado havia custado caro ao governo. A situação do país parecia pior agora do que no começo de seu mandato.
O governo não conseguia se erguer dos escombros da crise. Do Cruzado II ao Plano Verão no final de seu mandato em 1989, todos os planos lançados pela sua equipe econômica se caracterizaram apenas como tentativas frustradas de driblar temporariamente a crise e reconquistar a popularidade perdida.
Neste clima de frustração política e econômica, logo após a derrocada do Cruzado, a
Assembléia Constituinte que deveria definir as linhas da próxima Constituição já havia sido formada para em cinco de outubro de 1988 promulgá-la no país. Apelidada de “constituição cidadã”, esta carta magna trazia avanços significativos para as leis brasileiras, conseguindo representar a luta de muitos setores sociais em seu texto.
O reconhecimento do direito de greve, o voto facultativo a partir dos 16 anos, a garantia das eleições diretas para cargos políticos e o repúdio ao racismo inseridos na nova Constituição são exemplos das expectativas traduzidas nas lutas de muitos sujeitos sociais e finalmente conquistadas.
No mesmo clima, inicia-se também a corrida política para a primeira eleição direta para presidente pós-ditadura. As eleições presidenciais ocorreriam em 1989 e os candidatos eram vários entre os quais, Ulisses Guimarães pelo PMDB. Esperava-se que ele fosse o eleito “natural” do Brasil democrático pelo seu histórico na campanha pelas diretas e na escrita da “Constituição Cidadã”, como ele próprio apelidara. Porém, isso não ocorreu.
A sua ligação com o governo Sarney a essa altura foi péssima para a sua candidatura perante a maculada reputação política que este apresentava junto à população. Luís Ignácio Lula da Silva, candidato pelo PT, contou com amplo apoio popular nesta campanha, mas não foi páreo para o seu opositor no segundo turno. Fernando Collor de Melo, candidato pelo PRN (Partido da Reconstrução Nacional), partido oportunista fundado pouco antes do pleito, obteve o pleno apoio dos partidos declaradamente de “direita”. Além disso, recebeu apoio incondicional de uma das emissoras de televisão mais famosas do país - a Rede Globo. Cabe aqui a letra de um trecho de uma canção da época a respeito de candidatos “pré-fabricados” para aparentemente atender aos anseios populares, como no caso de Fernando Collor:


O Eleito - Lobão
O palácio é o refúgio mais que perfeito
Para os seus desejos mais que secretos
Lá ele se imagina o eleito
Sem nenhuma eleição por perto
[...] Ele é o esperto, ele é o perfeito
Ele é o que dá certo, ele se acha o eleito
Seus ternos são bem cortados
Seus versos são mal escritos
Seus gestos são mal estudados
A sua pose é militarista
Ele se acha o intocável
Senhor de todas as cadeiras
Derruba tudo pra ficar estável
Ele não está aí para brincadeira
E o tempo passa quase parado
E eu aqui sem a menor paciência
Contando as horas como se fossem trocados
Como se fossem contas de uma penitência
E tudo parece estar errado
Mas nesse caso o erro deu certo
Foi o que ele disse a o pé do rádio
Com a honestidade pelo avesso

Definida com o fato de que Fernando Collor de Mello a venceu legítima e democraticamente. Assim, a eleição de 1989 deu fim ao processo de transição política iniciado em 1985.
A maioria da população havia confiado o seu direito de votar à escolha do candidato do PRN, o que depois traria arrependimento a muitos.
Somando a todas as conturbações políticas da década de 80 ajudou a espalhar entre os sujeitos sociais do período um questionamento da capacidade transformadora das ações políticas voltadas diretamente contra as grandes estruturas.


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